sexta-feira, 17 de março de 2017

Wikipedia. A enciclopédia online é a cara da internet.


Texto de Hermano Vianna.


Minha confiança na Wikipedia não ficou maior ou menor. Desconfio de qualquer informação, em qualquer mídia, tradicional ou não. Há casos de fraudes nas melhores redações. Sempre procuro pontos de vista diferentes sobre qualquer fato. Como dizia uma velha canção dos Talking Heads: "Fatos não mancham os móveis/ fatos saem e batem a porta/ fatos estão escritos sobre todo o teu rosto/ fatos continuam a modificar suas formas/ Eu continuo esperando..." Então continuo esperando evidências que comprovem que a Wikipedia está condenada a ser menos confiável do que outras fontes. Ainda venero minha Enciclopédia Mirador Internacional, pesadona. Mas descentralização e edição colaborativa têm outras vantagens.

Se Philip Roth, nos inúmeros verbetes sobre sua obra, só encontrou esse problema sobre quem teria sido a pessoa que inspirou a criação de uma de suas personagens, isso até me parece ponto para o processo de edição dos textos da enciclopédia on-line. Tudo poderia ser bem pior, não é mesmo? Anos atrás, em verbete precário da Wikipedia em português, percebi que a data da publicação do meu livro "O mundo funk carioca" estava errada. Nunca tinha editado nada na enciclopédia antes, mas foi fácil fazer a correção: cliquei no botão "editar" (há um ao lado de cada parágrafo), procurei no texto o ano errado e coloquei 1988 no seu lugar.

Não entendi a razão para Philip Roth não ter feito o mesmo. Sua carta aberta não esclarece se houve tentativa de revisão. Claro, pode ter editado o verbete e outra pessoa voltou com a informação suprimida. Assim teria que entrar na página de conversa sobre aquele verbete específico (todos têm página em que são discutidas divergências) e defendido sua versão dos fatos. Processo democrático, trabalhoso e demorado demais? Sim, democracia dá trabalho. Roth preferiu apelar para um "interlocutor oficial" (o que será isso? advogado?) que trocou cartas (?) com "o Administrador da Enciclopédia em Inglês" (qual deles?), cuja resposta não conhecemos inteira. Roth quis interagir com a Wikipedia como se ela tivesse um dono todo-poderoso. Só posso lhe dar um conselho: aperte o cinto de segurança, senhor Roth, pois o chefe de redação sumiu.

A Wikipedia não é perfeita. Alguns textos contêm erros cabeludos. Suas regras de edição podem ser manipuladas por espertinhos. A enciclopédia foi criada há apenas 11 anos. É obra em progresso e uma experiência coletiva que, arrisco afirmar, nunca houve igual na história da Humanidade. Já se tornou patrimônio dessa pobre Humanidade, e de certa forma todos nós somos responsáveis por seu conteúdo (mesmo quando não melhoramos seu conteúdo por falta de tempo ou preguiça).

A Wikipedia é a cara da internet. O jornalista Andrew Smith, em texto sobre as origens da internet publicado este mês na "Wired" britânica, lançou ideia que vai virar meme: os destinos da internet e do programa espacial americano foram selados quando o presidente republicano (e ex-militar) Eisenhower deu o comando da Nasa e da Arpa (que criou a infraestrutura inicial da Rede) para civis malucos. A internet, na mão de outras pessoas, poderia ter nascido hierárquica, centralizada e censurável. No lugar disso ganhamos a criativa bagunça da qual a Wikipedia faz parte. Smith termina seu texto com sombria profecia: "A propagação de apps ponto a ponto, combinada com o clamor crescente acerca de copyright e pornografia, sugere que seus dias anárquicos de faroeste podem estar chegando ao fim. Muitos de nós estamos apenas começando a entender que estranhas e sem precedentes foram essas poucas décadas que atravessamos recentemente". Eu termino com outro conselho, agora não só para o senhor Roth: devemos aproveitar a liberdade enquanto... ( continua em http://oglobo.globo.com/cultura/wikipedia-6290389 )

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